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“Quem quiser se manter no mercado de trabalho não pode parar de estudar”

O futuro da educação e a importância da cultura.

Adriano Lira 25/06/2018

Vivemos tempos em que tudo muda muito rápido. As inovações tecnológicas transformam as nossas vidas ano após ano. É bem possível que as tarefas que você executa hoje no trabalho sejam bem diferentes das suas atribuições de poucos anos atrás.

Todo esse dinamismo coloca em xeque o modelo educacional atual. Afinal, para que passar quatro anos em uma faculdade se tudo o que é ensinado pode estar desatualizado no fim da graduação?

Aproveitando essa época de questionamentos, instituições de ensino privadas têm investido na criação de cursos de duração menor (do que uma pós-graduação), focados em habilidades exigidas no mercado de trabalho. Um mais falados atualmente é o chamado nanodegree, que incorpora aprendizado por projeto e ensina competências requisitadas por empresas como Google, Facebook e Amazon. 

Quem tem feito sucesso com esse formato é Udacity, instituição fundada nos Estados Unidos em 2011. Em 2017, a startup fechou o ano com uma receita de US$ 70 milhões (R$ 242 milhões) e 8 milhões de estudantes, matriculados em cursos gratuitos e pagos. 

Em entrevista exclusiva a Época NEGÓCIOS, concedida em Amsterdã, na Holanda, a COO da Udacity, Clarissa Shen, falou sobre a empresa, as mudanças no mercado da educação e sobre a importância do Brasil para a empresa. De acordo com Clarissa, apesar do sucesso de iniciativas como a Udacity e seus concorrentes, a universidade tradicional não desaparecerá. 

Você trabalha na Udacity desde praticamente o começo da empresa. A que fatores você atribui o sucesso da startup?
- Sim, estou na empresa desde maio de 2012. Antes de tudo, nós nos sentimos incrivelmente sortudos, pois não há muitas empresas que chegam aonde chegamos. Tem uma pitada de sorte nesse sucesso. Além disso, claro, há trabalho duro. A equipe, desde o começo, foi essencial para o nosso sucesso.
Mas eu diria que a cultura da startup, que esteve presente desde o início, foi o principal fator para o nosso sucesso.

Você poderia falar mais sobre essa cultura? Quais valores são os mais importantes para vocês?
- O primeiro ponto é que colocamos os estudantes em primeiro lugar. É algo que está presente em todos os nossos funcionários. Todos os escritórios da Udacity ao redor do mundo têm a frase “Students First” afixada em uma parede. É um raciocínio simples: se os estudantes forem bem-sucedidos, nós seremos bem-sucedidos.
Vale dizer que pensamos nesse sucesso dos estudantes de uma forma mais qualitativa. É claro que existem métricas e que nós analisamos o que as pessoas falam da gente. Mas não são esses indicadores que tornam uma marca forte no longo prazo, por mais importante que eles sejam. É a felicidade dos usuários que realmente conta.
Outro valor importante é que tentamos ser, ao mesmo tempo, audaciosos e humildes. O nome da empresa, Udacity, tem a ver com esse pensamento audacioso. Nós trabalhamos para pensar de forma ambiciosa, de traçar metas altas, pois assim vamos impactar mais estudantes.
No entanto, temos que ser humildes, pois não temos todas as respostas para conquistar o que queremos. Não há problema em perguntar. Sabemos que vamos errar no meio do processo, aprender e continuar nossa trajetória. Não há uma receita para o sucesso.
Também dizemos que somos melhores juntos. Temos equipes espalhadas por todo o mundo, inclusive no Brasil, em São Paulo. Nossas metas são para a companhia como um todo. Não há disputa entre os times, não tem disputas de ego. Nós também estimulamos que as pessoas discordem entre si.

Como fazer isso? Pode ser complicado, não?
- Nós partimos do princípio que é impossível sempre concordar. Mas é sempre bom discordar de forma respeitosa, mostrar seu ponto de vista. Às vezes acontece de um funcionário trabalhar de uma forma que ele não considera ideal.
Mas nos esforçamos para que o trabalho seja feito mesmo assim, partindo do princípio que o gestor quer o melhor para empresa. No fim, está todo mundo junto. Trabalhamos para que sempre haja essa coesão e para que o trabalho seja o mais impactante possível para nossos clientes.

O que vocês fazem para que o impacto seja o maior possível?
- Nós levamos a priorização de tarefas muito a sério. Os projetos que vão atingir mais pessoas ou que têm importância maior sempre serão priorizados. Estimulamos todo mundo a pensar dessa forma, a serem mais seletivos no que fazer e a terem foco para fazer o trabalho mais rápido.

No seu perfil no LinkedIn, você diz que a descrição do seu trabalho é “trabalhar em equipe e executar tarefas”. O que exatamente você quer dizer com isso?
- Em uma startup, você vive ou morre pela sua habilidade em executar suas tarefas. Você nem sempre terá uma ideia única, mas conseguirá superar a concorrência se oferecer um produto ou serviço melhor.
E essa execução nunca é individual. Você tem que trabalhar em equipe. Eu sou COO, mas não ligo muito para títulos. Então, para nos destacarmos e superarmos desafios, é importante ter espírito de grupo e foco na execução – sempre levando em conta a cultura e os valores da sua empresa.

Por que a Udacity oferece nanodegrees, com meses de duração, em vez de cursos menores ou capacitações mais longas?
- Porque nós acreditamos que cursos menores, com horas de duração, são os mais eficazes para ensinar algo às pessoas. 
Decidimos apostar em cursos que durem entre um e nove meses, com foco na prática. Assim, ajudamos os alunos a usar o que aprenderam rapidamente. É nesse espaço de tempo que nós consideramos que o estudante pode repetir com excelência o que aprendeu.
Por outro lado, temos graduações que duram anos, mas que podem se desatualizar rapidamente, pois o mundo de hoje é muito dinâmico. Mas nem todo mundo tem condições financeiras ou tempo de ir para a universidade. E, durante o curso, tudo o que a pessoa aprender pode ficar desatualizado. Tudo muda muito rápido.
Nós acreditamos no lifelong learning – ou seja, que temos que estudar durante toda a nossa vida para nos manter atualizados e continuarmos no mercado de trabalho. Creio que nossos cursos vão ao encontro dessa demanda.

O perfil de usuários do Udacity tem mais gente que fez faculdade?
- Depende da região. Em lugares como a Índia e a China, há mais pessoas que não foram à universidade. No Brasil e nos Estados Unidos, a maior parte dos usuários têm curso superior. Muitos querem dar novos passos, querem uma carreira “à prova do futuro”. Em outras palavras, não querem ficar para trás e buscam cursos de tecnologia, programação e inovação.

Qual a importância do Brasil para a Udacity?
- É um dos países em que mais investimos. Temos um número interessante de estudantes, a equipe vai muito bem e firmamos parcerias com cerca de 60 empresas, que contratam nossos estudantes. Entre nossos parceiros, estão negócios como o Itaú, a Accenture e a IBM.

O consumidor brasileiro tem alguma particularidade, algo diferente dos clientes do resto do mundo?
- Eles têm uma predileção muito interessante por cursos relacionados ao empreendedorismo. Buscam capacitações para serem empresários melhores. Há um foco menor nas áreas técnicas. Cursos de marketing digital, por exemplo, são muito populares no país. É diferente do que acontece na China, por exemplo, onde há muitos cursos de programação e relacionados ao WeChat, que é como se fosse o WhatsApp deles.

Você acredita que, daqui a algum tempo, as universidades acabarão?
- Não, eu acho que sempre haverá a universidade. É lá que os estudantes se descobrem e aprendem a ser adultos. É o lugar em que aprimoramos o nosso pensamento crítico e que criamos uma rede de amigos que vai ser importante por toda a nossa vida. Infelizmente, a Udacity não oferece isso. Se você tem o privilégio de ir para a universidade, faça isso.

 

Foto: Clarissa Shen, COO da Udacity: Brasil é mercado prioritário para a empresa (Divulgação)
Fonte: Época Negócios.


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